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samedi 2 février 2013

A origem do Cavalo Árabe


Notas soltas  (por Manuel Heleno)

 
Onde encontrar nobreza sem arrogância, amizade que não seja cobiça e beleza sem vaidade ?
 
Puro-Sangue Árabe

 De Onde Vem O Puro-Sangue Árabe ?
 
E
ntusiasta que sou do mais extraordinário cavalo do mundo, melhorador de todas as raças e senhor entre os senhores, há muito que me interesso pelo estudo da origem da raça Puro-Sangue Árabe.
Amador consciente li um primeiro tratado sobre o assunto e a minha convicção não deixou dúvidas: a raça Puro-Sangue Árabe era incontestavelmente de origem siríaca. Para completar os meus conhecimentos achei que deveria ler outra obra. Com grande surpresa verifiquei que, indubitavelmente, ele não era siríaco mas sim africano ! Um terceiro tratado demonstrou-me rapidamente que o Puro-Sangue Árabe provinha da mesopotâmia, outro que ele era mongol... Enfim, respeitáveis autores provaram-me sucessivamente que o berço da raça se encontrava no Yemen,  na Turquia, na Rússia, no Egipto, etc...
Atormentado, inquieto, indeciso, continuei a ler, continuei a instruir-me. Fiz sonhos tumultuosos que colocavam a mais antiga das raças equinas nos gelos antárcticos ou nas florestas amazónicas... E depois, calma suprema e alegria inesperada, li numa obra: « O Cavalo Árabe vem da Arábia ». Que descanso, mas que incerteza !
  
A origem do Cavalo Árabe
 
A
origem da raça Puro-Sangue Árabe é muito discutível e mesmo com a maior boa vontade não poderemos, nestas poucas páginas, analisar todas as teses existentes e que se traduzem nalguns milhares de folhas.

Vamos no entanto expor de uma maneira extremamente sucinta as principais teorias sobre o assunto, começando pelas mais fantasistas, sejam aquelas que se baseiam na lenda.

 I - O Árabe legendário

Muitas religiões, lendas, superstições, misticismos, fábulas ou tradições, fazem o elogio do Cavalo Árabe, ao mesmo tempo que explicam a sua origem. Vejamos algumas das mais curiosas:

 w Quando Deus quis criar os cavalos, disse ao vento do Sul: « De ti vou criar uma criatura em que colocarei a força dos meus amigos, o poder de aviltar os meus inimigos, a segurança dos que me obedecem ».

Deus agarrou então daquele vento um punhado e criou um cavalo a quem disse: « Nomeio-te e crio-te Árabe. O bem ficará ligado às crinas do teu topete. Os troféus de guerra serão conquistados graças ao teu dorso musculado. A força estará sempre contigo. Eu, prefiro-te a todos os animais, de que te faço Senhor. Crio-te amigo do teu dono. Quero-te capaz de voar sem asas, pois és destinado à perseguição. Os homens que te montarão glorificar-me-ão e proclamarão a minha grandeza. E quando eles me glorificarem tu glorificar-me-ás e proclamarás a minha grandeza ».

 w Um cavaleiro, perseguido pelos seus inimigos, montava uma égua cheia e prestes a parir.

Ao passarem pela casa de uma velhota, o homem apeou-se para dar ao animal o tempo de parir.

O poldro foi confiado à velha.

O cavaleiro montou de novo, continuou a fugir e galopou um dia e uma noite a toda a brida.

Já longe dos seus perseguidores, apeou-se para deixar a égua descansar. Qual não foi a sua surpresa quando, pouco depois, viu chegar o recém nascido !

Chamou-lhe El Koheil El Adjouz (Koheil derivado de kôhl, quer dizer preto azulado, e Adjouz de velha). Para muitos, foi este « o primeiro Cavalo Árabe nobre » que deu origem à raça.


w Maomé, profeta de Alá, acampou à borda de um ribeiro de águas límpidas e frescas.

Ordenou então que numa cerca uma centena de éguas fosse voluntariamente privada de água durante vários dias.

Maomé mandou depois abrir a vedação. As éguas começaram a correr para o ribeiro. O profeta chamou-as. Só 5 vieram alegremente ter com o dono, antes de beberem. Maomé abençoou-as.

Para alguns foram estas 5 éguas que deram origem a todos os cavalos Azil (de sangue puro). São conhecidas pelo nome de Kamsa Al Razul Allah (As Cinco do Profeta) e chamam-se: Habdah, Hamdaniya, Kohaila, Saklawiyah e Abbayah.

O especialista Karl R. Raswan está convencido que as 5 grandes famílias da raça Árabe hoje mundialmente conhecidas descendem das Kamsa.

 w Os Beduínos nómadas descendentes de Ismael, filho de Abram e de Agar a serva da sua esposa Sara, contam que Ismael, sábio acautelado, homem muito forte e grande caçador, capturou um dia uma égua selvagem a quem chamou Kohl, por causa da sua cor preta azulada.

Estava cheia e num bonito dia de primavera deu à luz um poldro que foi chamado Kôheilan (antílope preto) e que se tornou num magnífico garanhão.

Ismael cruzou-o com a Kohl, sua mãe, e mais tarde com as irmãs.

É assim que, em acordo com esta lenda, Kôheilan seria o antepassado do Cavalo Árabe, dando origem a uma linhagem que realmente chega aos nossos dias.

 w Salomão, filho de David, recebeu visitantes de Al-Azd, um país muito longínquo.

Antes de saírem, pediram alguns mantimentos. Em vez deles, Salomão ofereceu-lhes um cavalo e disse-lhes: « Quando acamparem, ponham sobre este cavalo um homem armado de uma lança. Ainda vocês não acabaram de acender a fogueira, já o caçador estará de volta com alguma presa, pois este cavalo é mais rápido que qualquer outro animal ».

O povo de Al-Azd baptizou-o Zad-El-Rakib (viático do cavaleiro).

A tradição árabe pretende que foi este o cavalo patriarca da raça e Ben Hodeil El Andalusi (sec. XIV) escreve: « É a ele que se deve a origem dos garanhões Árabes ».

II - O Árabe africano

Esta opinião foi defendida, no princípio do nosso século, por Reimach, Mercier, Lombard e Ridgeway. Para estes estudiosos a Península Arábica não possuiria cavalos e o Árabe encontraria a sua origem no continente africano, como o confirmam certos textos antigos e de tradição Árabe.

Efectivamente, sabe-se por exemplo que Salomão, como seu pai David, tinha uma coudelaria célebre cujos cavalos vinham do Egipto. Ora, como dissemos, para muitos autores, o primeiro garanhão Árabe foi Zad-El-Rakib, que pertencia ao Rei Salomão.

Por outro lado, entre a Etiópia e o Yemen, houve sempre contactos directos que levaram muitos cavalos africanos para a Arábia.

Ridgeway e Lombard consideram que os primeiros garanhões da raça faziam parte do espólio roubado aos berberes pelos árabes muçulmanos, quando da conquista do Magreb.

Um dos principais inimigos destas teorias foi Sir Theodore A. Cook, que afirma que as suas investigações provaram que é o cavalo berbere, bem como o turco, que vêm do Cavalo Árabe original e não o contrário.

Outros opositores à teoria africana invocam as últimas descobertas arqueológicas, que provam a existência de cavalos na Península Arábica há muitos milhares de anos. Na obra de Raswan, podemos ler: « Os escritores que afirmaram que não existiam cavalos na Arábia antes da época de Maomé, não fizeram mais que manifestar a grandeza da sua ignorância, pois os nossos museus e bibliotecas contêm centenas de provas do contrário ».


III - O Árabe asiático

Os eruditos William Youatt, Duhousset, Azpetia de Moros e Pietrement afirmam que segundo os autores da antiguidade, não havia cavalos na Arábia antes da nossa era. Assim, os Cavalos Árabes teriam a sua origem na Ásia Central, na bacia do Syr Daria, actualmente ex-URSS, a leste de Uzbequistão, e teriam em seguida passado para a Península Arábica através da Mesopotâmia. Provam-no, por exemplo, os baixos-relevos assírios, com representações de cavalos de perfil côncavo.


IV - O Árabe da Arábia

Muitos autores defendem energicamente o Árabe da Arábia. Um dos mais fanáticos é Lady Wentworth, autora de muitos trabalhos da maior importância para o Cavalo Árabe, proprietária da mais famosa coudelaria dos tempos modernos (Crabbet Park), e do garanhão que no mundo mais marcou o Árabe actual (Skowronek, o « Cavalo do Século »).

Numa primeira fase, o entusiasmo de Lady Wentworth levou-a a afirmar que o Cavalo Árabe era um caso único, tendo vivido desde a sua criação completamente isolado do resto do mundo, durante milhares de anos, no Neijd, ao centro da Península Arábica.

Esta teoria, tão simpática mas extremista, não aceitando absolutamente nenhuma mistura de sangue no Cavalo Árabe, opõe-se à história da evolução natural do cavalo, começada na era eucénica há mais de 60 milhões de anos, com um animal chamado Eohippus (Hyracoterium), de 30 a 45 cm de altura, com 4 dedos nos anteriores e 3 nos posteriores, e uma dentição de frugívoro.

Muitos outros autores, como o Dr. Perron e o Major Hupton, sem serem tão categóricos como Lady Wentworth, são partidários do Cavalo Árabe da Arábia.

O eminentíssimo Karl R. Raswan, autor de 6 enormes volumes intitulados « Manual do criador de Cavalos Árabes », escreve: « ...também eu procurei a sua origem na Turquia, na África do Norte, na Síria, na Palestina e na Mesopotâmia. Hoje, depois de ter atravessado 3 vezes a Arábia, devo confessar que tanto do ponto de vista científico de Europeu, como no romântico de Oriental, a superioridade da beleza e da perfeição vai por direito ao corcel da Península Árabe... Estou agora convencido que o Cavalo Árabe tem por pátria de origem a Arábia do Sudeste ».

 V - Conclusão

Como vimos e mesmo tomando em conta os escritos antigos ou os recentes e minuciosos estudos feitos, uma única conclusão é possível: A procedência do Cavalo Árabe é infelizmente muito incerta.

Mas podemos reter certos factos importantíssimos. Com efeito tudo indica que a individualidade do Puro-Sangue Árabe se formou na austeridade do deserto, nas dificuldades do nomadismo, na experiência de um clima sem piedade, numa natureza em que só uma elite sobreviveu, na poeira das batalhas e na necessidade da caça.

Pessoalmente acreditamos que a chave do mistério deve ser procurada na antiga Mesopotâmia, entre o Tigre e o Eufrates, ali mesmo onde viveu uma das primeiras civilizações do Mundo. De qualquer forma uma coisa é certa, foi naquela região que o cavalo que se tornaria no actual Puro-Sangue Árabe começou a sua prodigiosa e vertiginosa carreira, sobretudo por ser utilizado nas tão frequentes guerras daquela zona geográfica. E foi assim que nele se desenvolveram as suas fabulosas qualidades de rapidez, de coragem, de sobriedade e de resistência, que desde logo o distinguiram de qualquer outra raça.

Foi o que compreendeu o profeta Maomé, que o tornou no mensageiro e defensor da fé, dando-lhe quase um carácter divino. Para que um homem agrade a Deus é necessário que possua um cavalo.

Já em 632 o Cavalo Árabe era a peça principal de um poderoso exército de cavalaria, rapidíssimo, sem equivalente. A Síria foi conquistada em 636, o Egipto em 641, a Pérsia em 651, e depois, em 711, ao fim de uma incrível travessia do Magreb a cavalaria militar islâmica entra e avança em Espanha e Portugal, para só mais tarde ser travada já a meio da França, em Poitiers.

Desde logo o Cavalo Árabe cruza-se com as outras raças que vai encontrando, introduzindo o primeiro sangue oriental nas raças locais, dando-lhes a sua distinção, as suas qualidades funcionais e o seu extraordinário carácter. E isto ao longo de vários séculos. Não esqueçamos que o sul de Portugal esteve ocupado até meados do século XIII e que só em 1683 o rei Sobieski da Polónia consegue travar os cavaleiros otomanos ás portas de Viena ...

E é assim que se inicia a extraordinária expansão mundial do Puro-Sangue Árabe, hoje presente em todos os continentes e em quase todas as raças cavalares, que sem excepção fundou ou melhorou, a tal ponto que podemos afirmar que sem o Cavalo Árabe o panorama equino actual seria totalmente diferente.

Enfim, mesmo se a proveniência da raça Puro-Sangue Árabe é perfeitamente incerta, aqueles que como eu gostam apaixonadamente daquele nobre cavalo e que são um pouco romanescos, acharão nesta incerteza o mistério e o misticismo orientais que tão bem convêm ao único cavalo que, pela grande antiguidade da sua raça, sua fantástica selecção natural e humana, e cuidadosa preservação das suas origens e características, pode ostentar de pleno direito o título de Puro Sangue.

Manuel Heleno

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